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Minha história de vida: uma lição que talvez você precise conhecer

Minha história de vida: uma lição que talvez você precise conhecer 1

Estava reescrevendo a seção “Sobre” aqui do site e uma forte emoção me tomou. Não queria fazer um texto técnico, com pilhas de cursos ou títulos. Só queria falar sobre Juliana. Muitas pessoas me pedem vídeos em que relato minha história. A verdade é que eu não tenho a menor condição emocional ou intelectual de resumir meus 400 anos de vida em um vídeo. Possivelmente, teríamos 5h de Juliana chorando emocionada em frente à câmera.

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Um dia, conseguirei. Por enquanto, te ofereço este relato, que pode te dar uma visão de vida muito atípica – talvez, oposta – ao que você vê como exemplo na sociedade atual.  Talvez, isso te dê coragem de ser quem é pela primeira vez. É só o que me importa.

Vamos lá. 

Tenho um histórico pessoal de cruzamento de muitos, muitos vícios letais. Se você já assistiu a documentários sobre anorexia e bulimia, com aquelas mulheres 30kg abaixo do peso, literalmente morrendo por não comer, você me viu ali. Mas, este foi apenas o fim da história.

Comecei minha trajetória rumo à obesidade ao perder meu pai, que era meu melhor amigo, bem cedo na infância. Minha mãe tem os diagnósticos de bipolaridade e depressão, o que é óbvio, já que são patologias com forte ligação genética e eu tenho estes diagnósticos também (some déficit de atenção a isso).

Cruzei uma infância totalmente solitária, sem a presença de adultos quaisquer, me alimentando apenas de junk food. Cheguei aos 123kg aos 17 anos, quando uma depressão gravíssima me pegou. Como resposta à perda completa de sentido, veio o ano inicial de anorexia, que foi o suficiente para a degeneração completa.

Por mais de um ano, sair do quarto era uma tarefa impensável. Comer muito menos. 80kg a menos e diversos meses depois, começamos a somar os remédios e a bulimia:

Pense em seis episódios de vômito, 60 comprimidos de laxantes, 20 diuréticos, 20 anfetaminas, 20 ritalinas, efedrina e xenical para passar um dia. Pense em não conseguir mais segurar fezes e urina (sim, fazer nas calças), muito menos alimentos ou líquidos quaisquer dentro do corpo (vomitar 100% de tudo consumido).

Pense na pessoa que não escova mais os dentes por medo do açúcar na pasta ou que não toma água, “porque incha a barriga”. Pense nisso por mais cinco anos consecutivos e lembre que estes anos foram apenas o ápice de mais uma década de destruição com álcool, maconha, analgésicos, anti-inflamatórios e muitos outros remédios etc.

Durante este processo, sair do quarto era uma piada: estar vivo se tornou a tarefa impensável.

Coloquemos algumas tentativas de suicídio na equação. Algumas passagens pela UTI e dois anos de internações psiquiátricas em hospitais, que foram “leves demais”. Cheguei às fazendas para adicções graves. Sim, cheguei às temíveis fazendas.

Quatro meses em uma fazenda foram o necessário para eu definir: ou eu morro de uma vez ou eu recomeço.

Se você pensa que eu larguei tudo e fui me tornar uma atleta, em uma daquelas histórias de superação dignas de Fantástico, repense. 

Eu trilhei um caminho muito, muito atípico: “eu não preciso superar nada, eu só preciso viver sendo o que eu sou”.

Aqui, começa a história de uma anoréxica, bulímica, adicta que resolve viver independentemente do que dizem sobre ela. Do psiquiatra da época, chefe de psiquiatria do melhor hospital aqui do sul, ficou a frase “se você largar o tratamento, não terá dois anos de vida” (justo e prudente, porque não havia mais potássio no meu corpo e o coração estava se entregando).

Foram muitos desmaios na faculdade por falta de comida, fraqueza e pressão baixa, foram muitos dentes perdidos, foram muitos episódios de vômito em banheiros públicos nojentos e foram muitas lágrimas frente ao espelho. Mas, eu não conseguia mais aceitar que eu não merecia viver por não ser perfeita.

A lição do mundo atual é a seguinte: seja perfeito primeiro para viver depois.

A minha meta era a oposta: vai lá e vive, independentemente do que você tiver ou for.

Ironicamente, conforme o tempo passava, eu vencia. Não vencia os vícios, vencia a ideia de que uma mulher cheia de vícios e traumas não merecia amor.

Ironicamente, era exatamente isso que me faltava. E foi aqui que eu comecei a me curar.

O caminho é longo e possivelmente eu morrerei antes da perfeição. Possivelmente, minha história não estará no Fantástico.

Mas, mesmo assim, eu tenho algumas coisas a ensinar ao mundo. Ao menos, a quem não se enquadra no padrão ensinado atualmente, de que, se você não tiver o corpo perfeito e a saúde intacta, não merece sequer postar sua foto no Instagram.

Eu digo que você não apenas merece, mas como precisa. A jovem Juliana precisava ter ouvido sua história. Precisava ter te conhecido, com todos estes defeitos que te levam a crer que você é menor. Ela precisava de seres humanos reais, com falhas terríveis e imenso amor verdadeiro por si mesmos: isso é o amor incondicional. Entende? Ela era tão desprovida de amor, que apenas o amor verdadeiramente incondicional a salvaria.

E não é isso que todos buscamos em nossas vidas? Sermos incondicionalmente amados? Então, por que seu amor próprio está condicionado à sua performance? E por que você está reforçando a condicionalidade nas pessoas?

É uma longa jornada de anti-herói esta que vivi. De tempos em tempos, lembro da frase do meu grande psiquiatra: “você não durará dois anos”. Então, olho para a foto que ilustra este post e tenho um momento de lucidez e justiça com minha vida: não era para eu estar aqui, quem dirá ter alcançado tanto. Duas filhas, uma casa alugada, uma horta, um casamento. Mesmo que pareçam conquistas medíocres aos olhos do mundo, são reais milagres nesta história.

Quase 20 anos se passaram e todas as estatísticas (bipolaridade, suicídio, drogas, problemas cardíacos, anorexia etc) me declaram como morta há mais de uma década. Mas, cá estou. Imperfeita, caminhando.

Por quanto tempo eu não sei, mas nunca se tratou de quantidade e sim de qualidade: ter a chance de viver um único dia como um milagre é algo extraordinário, belo e para poucos.

Minha trajetória é nada mais do que um convite para que pessoas como eu tenham a coragem de serem que são, para que tenham a coragem de existir sendo tão imperfeitas: e, assim, salvem a jovem Juliana – que é só um nome em meio a tantas vidas que precisam saber que existimos.

Para mim, isso é poder e liberdade: amar a vida e a si mesmo independentemente do que acontecer.