TDAH e compulsão alimentar: a potente relação que vem transformando tratamentos para transtornos alimentares

Seu diagnóstico foi TDAH, mas os sintomas não são apenas falta de atenção e hiperatividade. A compulsão alimentar é imensa e o peso vem subindo dia após dia.

A ciência enxergou isso e tem dedicado anos de pesquisa à relação entre TDAH e compulsão alimentar. Os remédios usados para TDAH são os mais receitados para emagrecer, então, o que está ocorrendo?

Relação TDAH e Compulsão Alimentar

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma desordem cognitiva que envolve impulsividade, hiperatividade e dificuldade de concentração em determinadas tarefas. Muitas pessoas com TDAH também têm grande necessidade de estimulação.

A parte do cérebro responsável pelos sentimentos de prazer, recompensa e motivação muitas vezes não funciona adequadamente em pessoas com TDAH.

Uma revisão de 2015 descobriu que a impulsividade é o preditor mais forte de comportamento de transtorno alimentar em pessoas com TDAH.

Cerca de 40 a 50% dos pacientes com TDAH têm dificuldade em não seguir os impulsos. Quando se trata de comer, podem achar difícil fazer uma pausa, refletir e parar.

Uma revisão de 2017 encontrou relação entre TDAH e compulsão alimentar em 20 de 27 estudos.

O transtorno da compulsão alimentar é um transtorno psiquiátrico caracterizado pela perda de controle, levando a episódios frequentes e compulsivos de alimentação excessiva (compulsões). A compulsão alimentar é um importante fator causal na obesidade, distúrbios metabólicos e outros transtornos psiquiátricos.

Venvanse: o remédio do TDAH mais indicado pelos médicos para emagrecer

A lisdexanfetamina (Venvanse®) é uma anfetamina que foi aprovada para tratar compulsão alimentar e obesidade nos EUA e em vários outros países. Desde então, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde de 2021, 3,7 milhões de pessoas fizeram uso indevido de estimulantes prescritos, como o Vyvanse, num único ano.

Aumento da prescrição de venvanse no mundo
Aumento da prescrição de venvanse no mundo

 

De 2012 a 2021, a distribuição geral de estimulantes (anfetamina/dextroanfetamina, metilfenidato, dexmetilfenidato, lisdexanfetamina, serdexmetilfenidato) aumentou 45,5% entre as faixas etárias de 31 a 40. Dos 71 anos aos 80, mais do que dobrou desde 2012.

De 2012 a 2021, o número de prescrições de estimulantes aumentou de 5,4 milhões para 15,3 milhões entre pessoas de 31 a 40 anos de idade, de 0,1 milhão para 0,8 milhão para pessoas de 71 a 80 anos.

As prescrições aumentaram 27,5% para os homens e 69,5% para as mulheres. Os psiquiatras prescreveram o maior número de prescrições de estimulantes, seguidos pelos pediatras e as prescrições de estimulantes por profissionais de enfermagem mais do que triplicaram desde 2012. (dados via https://www.globaldata.com/)

Será que eu tenho Compulsão alimentar?

Compulsão é a minha especialidade. Porque eu sei que as pessoas engordam numa fórmula que seria:

ESTRESSE/SOLIDÃO > COMER DEMAIS > CULPA > CHUTAR O BALDE E DESISTIR

São décadas de estudo sobre o tema, milhares de casos tratados e o número é exponencialmente crescente – o cérebro em crise energética possivelmente sofrendo de hipometabolismo fica eternamente faminto pelas demandas muito acima do que é capaz e pela pobreza da nutrição.

O transtorno da compulsão alimentar é um transtorno psiquiátrico caracterizado pela perda de controle, levando a episódios frequentes e compulsivos de alimentação excessiva (compulsões).

A compulsão alimentar difere da anorexia nervosa (AN) ou bulimia nervosa (BN) porque não está associada ao uso regular de comportamento compensatório prejudicial (por exemplo, purgação, jejum e exercício excessivo).

Transtorno da compulsão alimentar periódica não é a mesma coisa do que “comer demais”. Pessoas diagnosticadas com esse transtorno passam por episódios – muitas vezes várias vezes por semana – em que relatam estarem fora de controle e comem demais compulsivamente até ficarem desconfortavelmente saciados.

A compulsão alimentar só foi oficialmente classificada em 2013 como um transtorno alimentar como a anorexia ou bulimia nervosa. Como não havia outro tratamento medicamentoso aprovado pelo FDA para a compulsão alimentar, a agência concordou em acelerar o processo de aprovação do Venvanse.

E, embora a agência solicite frequentemente a um painel independente de especialistas que analise as evidências sobre produtos mais antigos utilizados para novos usos, eles optaram por pular essa etapa neste caso, observando que o histórico de segurança de Venvanse como medicamento para TDAH seria suficientemente tranquilizador.

Ou seja, há pouquíssimos estudos avaliando o impacto desta anfetamina no corpo quando usado para compulsão ou emagrecimento. Desde que o FDA aprovou esta anfetamina para compulsão, as vendas globais do Venvanse chegaram a US$ 3.806,84 milhões em 2022. O indicador registrou crescimento histórico de 15% entre 2019 a 2022.

Um artigo complementar (“What pharmacological interventions are effective in binge-eating disorder?” Heal e Gosden, 2021), revisou os resultados de ensaios clínicos de compulsão alimentar, incluindo não apenas medicamentos anti-obesidade, mas também medicamentos para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, epilepsia e transtornos por uso de substâncias para reavaliar as evidências de eficácia.

Compulsão Alimentar e TDAH: as semelhanças

Aqui, veremos semelhanças na psicopatologia de TDAH e compulsão alimentar e a farmacologia de medicamentos que provaram eficácia no tratamento de ambos os distúrbios. 

A compulsão alimentar é o transtorno alimentar mais comum no mundo. Pessoas com TDAH correm um risco aumentado de transtornos alimentares, incluindo bulimia, anorexia nervosa e compulsão alimentar.

No entanto, a pesquisa tem se concentrado especificamente na compulsão alimentar, devido ao grande número de pessoas com TDAH e transtorno da compulsão alimentar periódica. A Duke University estima que cerca de 30% dos adultos com transtorno da compulsão alimentar periódica também têm histórico de TDAH. A compulsão alimentar e a obesidade relacionada podem estar na base de problemas de saúde como doenças cardíacas e diabetes, levando os pesquisadores a estudar quais tratamentos podem ser mais eficazes.

A Food and Drug Administration dos EUA aprovou Vevanse como uma opção de tratamento para TDAH e compulsão alimentar. Vyvanse tem como alvo o centro de recompensa do cérebro, aumentando os níveis de dopamina e norepinefrina, as substâncias químicas do cérebro responsáveis ​​pelas sensações de prazer.

Além de encontrar mais opções de tratamento, é necessária maior educação sobre a conexão entre o TDAH e a compulsão alimentar periódica para ajudar a prevenir problemas de saúde em pessoas que têm TDAH e transtorno da compulsão alimentar periódica.

Uma revisão investigou 14 artigos entre 1980 a 2008, buscando as relações entre déficit de atenção/transtorno de hiperatividade e transtornos alimentares. Os artigos sugeriram que mulheres adultas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade apresentam maior risco de desenvolver transtornos alimentares, especialmente bulimia nervosa.

As evidências apoiam a hipótese de que compulsão é um transtorno de controle de impulsos com semelhanças com o TDAH, incluindo capacidade de resposta a medicamentos catecolaminérgicos, como Venvanse, femproporex, anfepramona, mazindol e dasotralina. São remédios que promovem liberação de noradrenalina e dopamina e aumentam a neurotransmissão catecolaminérgica no sistema nervoso

Os medicamentos com eficácia comprovada na compulsão têm esta farmacologia comum; eles potencializam a neurotransmissão noradrenérgica e dopaminérgica central.

Noradrenalina e dopamina na compulsão alimentar

Devido à sobreposição entre a farmacoterapia no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e compulsão, também seria previsto que candidatos a medicamentos de diversas classes farmacológicas, que já falharam no TDAH, também falhassem se testados na compulsão.

O fracasso nos ensaios compulsão de medicamentos com diversos mecanismos farmacológicos indica que muitos caminhos possíveis para a descoberta de medicamentos podem provavelmente ser descartados.

Principais riscos dos remédios para emagrecer (anorexígenos)

O Venvanse atua aumentando a dopamina e a norepinefrina no cérebro. Assim, os indivíduos experimentam melhor foco e concentração e diminuição da impulsividade. Esses efeitos podem melhorar os sintomas do TDAH. A diminuição da impulsividade também pode ajudar indivíduos com transtorno da compulsão alimentar periódica.

Medicamentos estimulantes podem diminuir o apetite, levando à perda de peso. O componente ativo do Venvanse é a lisdexanfetamina. No corpo, a lisdexanfetamina é decomposta em dextroanfetamina, que bloqueia a remoção de dopamina e norepinefrina no cérebro. Isto leva ao aumento dos níveis no organismo e os efeitos estimulantes podem reduzir o apetite e aumentar o metabolismo.

Assim como todas as anfetaminas, aumenta o metabolismo e pode levar ao aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, elevação da pressão arterial e convulsões.

Vários anorexígenos tiveram efeitos colaterais devastadores, incluindo hipertensão, uma doença incurável e fatal caracterizada por constrição e insuficiência cardíaca, como alerta o Hospital de Massachusetts e a revisão publicada no The American Journal of Cardiology, Review of the Ongoing Story of Appetite Suppressants, Serotonin Pathway, and Pulmonary Vascular Disease.

Os novos tratamentos para compulsão alimentar

Uma revisão recém-lançada na Nature, International Journal of Obesity, aponta alguns caminhos que a ciência seguirá:

“Uma nova era para o tratamento da obesidade começou, onde a farmacoterapia com combinações de hormônios enteropancreáticos se aproxima da eficácia da cirurgia bariátrica.

A tirzepatida é o primeiro agonista duplo aprovado para controle de peso crônico, mas vários outros agonistas duplos e/ou triplos (cagrisema, retatrutida, mazdutida e survodutida) também estão em ensaios de fase 3 como tratamentos potenciais para a obesidade e suas complicações metabólicas. Além disso, o AR oral do GLP-1 também está em desenvolvimento e constituirá uma opção alternativa.”

A eficácia dos medicamentos para a compulsão alimentar depende da redução das suas principais psicopatologias de impulsividade, compulsividade e perseverança e do aumento do controle cognitivo da alimentação.

Medicações e tratamentos que estão sendo estudados para compulsão alimentar

Clique no nome das medicações para ler os estudos de mais alta qualidade e mais recentes. A maior parte deles tocará no mecanismo noradrenalina-dopamina e serão voltados para o déficit de atenção (TDAH).

 

Fontes e estudos referenciais sobre compulsão alimentar e tdah

REVISÃO: Review of literature of attention-deficit/hyperactivity disorder with comorbid eating disorders. Braz J Psychiatry. 2008 Dec;30(4):384-9. doi: 10.1590/s1516-44462008000400014

Systematic review and meta-analysis: Lisdexamfetamine and binge-eating disorder: clinical data with a focus on mechanism of drug action in treating the disorder. European Neuropsychopharmacology https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2021.08.001

The effects of lisdexamfetamine dimesylate on eating behaviour and homeostatic, reward and cognitive processes in women with binge-eating symptoms: an experimental medicine study. Transl Psychiatry  (2022). https://doi.org/10.1038/s41398-021-01770-4

Prospects for new drugs to treat binge-eating disorder: Insights from psychopathology and neuropharmacology” Heal DJ, Smith SL. Prospects for new drugs to treat binge-eating disorder: Insights from psychopathology and neuropharmacology. Journal of Psychopharmacology. 2022;36(6):680-703. doi:10.1177/02698811211032475

Trait Impulsivity and Choice Impulsivity in Young Adult Students With Probable Binge Eating Disorder Front. Psychiatry. 2022. Sec. Addictive Disorders https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.838700

Use of Lisdexamfetamine to Treat Obesity in an Adolescent with Severe Obesity and Binge Eating. Children (Basel). 2019 Feb 4;6(2):22. doi: 10.3390/children6020022.

Nature, 2024. What is the pipeline for future medications for obesity?. Int J Obes (2024). https://doi.org/10.1038/s41366-024-01473-y

Farmacoterapia no tratamento da obesidade. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo v.3, n.17

Time course of the effects of lisdexamfetamine dimesylate in two phase 3, randomized, double-blind, placebo-controlled trials in adults with binge-eating disorder. Int J Eat Disord. 2017 Aug;50(8):884-892. doi: 10.1002/eat.22722.

Lisdexamfetamine in the treatment of moderate-to-severe binge eating disorder in adults: systematic review and exploratory meta-analysis of publicly available placebo-controlled, randomized clinical trials. Neuropsychiatr Dis Treat. doi: 10.2147/NDT.S109637.

Bulimia e venvanse >> Lisdexamfetamine for the treatment of adults with bulimia nervosa. International Journal of eating disorders. 2021. https://doi.org/10.1002/eat.23480