Podcast Keto #2: O que a Black Friday ensina sobre sua compulsão

Você busca o emprego perfeito, o corpo perfeito, o influenciador perfeito com o cabelo, as roupas e os pratos perfeitos. Você seguiu o plano perfeitamente e luta, 24h, pela melhor vida que existe. Portanto, sua satisfação consigo mesma é, obviamente, nula. No podcast de hoje, você entenderá por que, quanto mais você soma objetos de prazer aos seus dias, menor a sua felicidade. Confira abaixo a transcrição!

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Essa semana, tivemos a Black Friday, a data das promoções que ninguém sabe se valem a pena. Eu também não sei, mas a lição extraída deste dia certamente vale. Era um raro dia de sol no Rio Grande do Sul e eu precisava cruzar toda a cidade a pé, de ponta a ponta.

Vinha aproveitando cada raio de sol, cada flor e o precioso tempo, já que eu não tinha pressa para chegar em casa.

Em frente a uma loja, um caso me chamou a atenção: era um carro bastante desgastado e velho, até mais do que o meu, com uma smart tv inexplicavelmente grande dentro do porta-malas. Tão grande, que a equipe da loja estava toda na rua tentando ajudar o senhor a coloca-la no carro. O senhor gritava no celular: vocês têm que vir pra cá, os preços estão imperdíveis!

Me perguntei como aquele senhor pagaria pela televisão. Possivelmente, assumiria muitas dívidas, teria que trabalhar o dobro e abraçar todo o estresse que vem com isso.

Mas, a fala do senhor ao celular ficou em mim: “preciso aproveitar. Os preços estão imperdíveis”.

O sol instantaneamente sumiu. As flores murcharam. Ficou apenas uma coisa na minha mente: preciso entrar na loja, os preços estão imperdíveis.

Respirei fundo e repeti para mim mesma: não preciso de nada. Preciso voltar ao que eu estava fazendo e aproveitar este dia de sol.

Mas, dali para frente, ao longo dos próximos 30min, eu caminhava olhando cada vitrine, buscando obsessivamente um descontinho e uma justificativa para encher minha mochila de tranqueiras em promoção. Fiz um pacto com minhas pernas: elas caminhariam sem parar, dando risada da minha cabeça nervosa.

Ao final da cidade, resolvi tomar um café. Entrei em uma das cafeterias gaúchas, um paraíso e um inferno ao mesmo tempo. Nas cafeterias gaúchas, há o melhor das delícias cetogênicas: queijos, nata, linguiças coloniais, salames, mas há também tortas, bolos, brigadeiros, e tudo exposto em um buffet que você paga pelo peso.

Sentei com meu café preto, puro, e olhei ao meu redor: as mesas estavam cheias. Todas as pessoas com seus cafés pretos, mas também com pratos que eram belas montanhas de quitutes.

Aquilo ficou em mim. Será que eles precisam de tudo isso às 16h da tarde? Mais ainda, será que eles estão sentindo o sabor maravilhoso desse café? Possivelmente, não.

Eu tinha só um café preto. Não havia celular, mídias sociais, açúcar ou amigos ao meu lado. E era visível que meu prazer era infinitamente maior do que quem estava na lógica do quanto mais melhor.

Isso é óbvio, porque quanto maior a pilha de prazeres somados, menor a satisfação obtida.

Pensa comigo: se você sentar em uma cafeteria e precisar de dezenas de itens para se sentir feliz, é porque cada um daqueles itens é simplesmente insatisfatório. Senão, você pediria apenas um doce perfeito e tudo ficaria bem.

Esta é a lógica que você aplica a si mesma diariamente enquanto se maquia para parecer mais bonita, enquanto malha freneticamente para perder um pneu ou ter ainda mais músculos. É o que você diz a si mesma quando divide sua família com o celular ou quando dedica seus preciosos segundos a sites de compras com tudo que deixaria seu armário e sua casa mais bonitos.

O que você está dizendo? Que você é insatisfatória. Que sua família é insatisfatória. Que sua casa é insatisfatória. E adivinha? Com todo este esforço, você começa a acreditar nisso – e passa a precisar de cada vez mais, na esperança de que, algum dia, a compra perfeita, o corpo perfeito e o doce perfeito chegarão – e você finalmente estará saciada. Pelo contrário.

Não existe o doce perfeito e a cada tentativa você estará mais longe da satisfação que tanto busca.

E como eu cheguei ao café perfeitamente satisfatório? Invertendo a lógica.

Quem sofre de compulsão, como eu, sabe que um único gatilho disparado leva a uma torrente de desejos frenéticos que precisam ser atendidos.

Isso ocorre apenas com doces? Minha amiga, você é uma pessoa simples, feliz, minimalista e apenas seu prato é gigantesco? Aposto meu braço que não.

Você tem um carro lotado de promoções, passa o dia malhando, horas no salão de beleza, na internet, vasculhando a resposta das suas grandes questões. Você busca, em todas as áreas da sua vida, este prazer perfeito. E quanto mais você buscar, menos o terá. Quanto mais doces no seu prato, menor o prazer do simples café.

Agora, tenho uma boa e uma má notícia. A má notícia e que esta é a natureza da sua mente. Quanto mais, melhor. A boa notícia é que, para ir reduzindo esta insanidade, você não precisa ir até a cafeteria e aguentar só um café enquanto todos se esbaldam em tortas.

Você será inteligente e entenderá que é sempre a mesma mente atuando sobre tudo. E que você ensina sua mente a querer mais e mais 24h por dia. Acha mesmo que é justamente na hora do prato que ela ficará tranquila?

Te proponho uma coisa: comece por aquilo que você pode domar. Você precisa levar o mundo inteiro para a cama através do seu celular ou pode criar um quarto tão cheiroso e agradável que apenas estar ali é suficiente para relaxar?

Você precisa ter o corpo perfeito com a roupa e o cabelo perfeitos ou pode olhar para a pessoa ao seu lado e ver que ela se sente feliz pelo simples fato de você estar tranquila, leve, entregue ao momento com ela?

A mente é sempre a mesma e quanto mais você ensiná-la que o sol e as flores bastam, mais eles bastarão.

A magia desta tragédia reside justamente no fato de que é apenas UMA mente. Você pode começar a mudá-la por onde quiser. Não precisa e nem deve começar pelo seu maior inimigo, o prato. Comece por aquilo que é possível e sua mente irá junto, expandindo a nova lógica para todas as áreas ao longo do tempo.

Se isso te parece triste, ter que reduzir a lógica da cabeça de uma criança de dois anos que faz birra por tudo que deseja no supermercado, é hora de lembrar o que falei no início deste áudio:

Quanto maior a pilha de prazeres somados, menor a satisfação.

Portanto, quanto menor a pilha, maior a satisfação.

Lembre-se: meu prazer no café preto era maior do que o prazer daquelas pilhas de bolos consumidos velozmente.

Não estou dizendo que você deve dedicar sua existência à miséria, mas sim que, quando há um único objeto, você é capaz de dar atenção a ele. Carinho a ele. Você pode estar ali com ele, só você e ele. Isso é prazer.

Prazer é uma relação de profundidade, não um consumo de quantidade.

Imagina a qualidade da relação que você desenvolve com alguém que conhece em uma festa lotada e barulhenta. E pense quantas pessoas você precisa beijar esta noite para se sentir preenchida. Quantos copos de cerveja precisa tomar para maximizar seu prazer.

Agora, imagine esta mesma pessoa sentada com você em um parque, de mãos dadas, olhando para você. E sorrindo para você. Apenas isso.

Infelizmente, todos vivemos na festa barulhenta o tempo todo.

É o perfeito caminho da infelicidade e das relações vazias que exigirão sim uma quantidade gigante de objetos para satisfazer.

Cada objeto acrescentado em seu prato, cada desejo somado à lista te ensinará apenas uma coisa: sua vida é insatisfatória e você é uma perfeita porcaria que precisa de cada vez mais para ser boa.

Se você valesse a pena agora, não precisaria somar mais nada. Seus desejos seriam apenas o que são, temperos que elevam o sabor do prato, mas jamais o próprio alimento. Nós somos o alimento e quanto mais repetimos que precisamos de mais, mais aprendemos que não somos nada.

A psicanálise nos ensina que somos todos relativamente loucos, porque dedicamos nossas vidas à busca do objeto perfeito. Seria aquele momento, aquele corpo, aquele doce que finalmente nos preencheria. Olharíamos para o prato, para o espelho, o que for, e diríamos: agora sim, está perfeito. E viveríamos naquele paraíso para sempre.

É claro que este objeto não existe. Mas, existe o universo do café preto, das mãos dadas no parque, do passeio ao sol. São momentos quaisquer, vividos em tamanha profundidade e atenção, que o prazer proporcionado é inexplicavelmente maior do que a pilha de coisas no porta-malas.

É um prazer gratuito. Instantâneo. Extraordinário. Infelizmente, ele exige um tremendo esforço de nós, porque vai completamente contra a lógica do nosso tempo. É um desafio tão grande, que os heróis que hoje admiramos são aqueles que menos conseguiram alcançar esta sabedoria milenar. Quanto mais eles têm, mais aplaudidos são.

Note, não se trata de parar de desejar. Trata-se de honrar seus desejos. De desejar algo com tanta profundidade e verdade, que você desenvolverá uma relação de amor e entrega com aquilo. E isso é satisfação.

E você? Vai começar por onde hoje? Onde você vai honrar seu desejo? Busque aquilo que está jogado de lado há tempos e que merece sua atenção. A natureza, seus filhos, seu casamento. Busque aquilo que te estrutura e te acolhe: ele certamente estará lá, esperando por você.

Porque é isso que o mundo queria de você no fim das contas. Se você estiver lá quando a vida sorrir para você, você vai finalmente aprender que valia a pena. Que você valia a pena. Que sua vida valia a pena.

 

Atualização: ironicamente, ao finalizar o áudio, me dirigi ao meu outro emprego. Em 2019, trouxemos ao Brasil diversos pensadores para refletirmos sobre os sentidos da vida. Escrevendo sobre a conferência do psicanalista Contardo Calligaris, me deparei com sua crítica à nossa sociedade, que supostamente viveria em busca de prazer. Ledo engano.

Não existe prazer sem capacidade de contemplação. Não há Beleza na vida regida pelo acúmulo incessante de pensamentos, desejos e objetos. E é daí nossa urgência pela pilha de objetos que forjam alguma sensação de prazer. Pense nisso quando você precisar de cada vez mais para sentir cada vez menos prazer.

Não sou grande fã do psicanalista, mas esta fala é definidora do mundo atual. Se você faz questão de viver pelo prazer, honre-o, abrace-o, construa-o, viva-o integralmente.

“Somos, infelizmente, uma sociedade muito pouco hedonista. E sabe por quê? Porque o hedonismo, como a própria apreciação estética, pede uma extrema atenção ao mundo. E somos distraídos demais para sermos hedonistas. Ninguém é hedonista com um celular na mão. A distração é tamanha que é muito difícil a apreciação.

Pensar no juízo estético como uma espécie de critério moral é geralmente considerado como uma atitude estupidamente hedonista. ‘O cara gosta de sensações agradáveis’. Na verdade, não. É um empreendimento, pois o hedonismo neste caso é um empreendimento cultural duríssimo, sem fim. Porque não tem como ter um aproveitamento estético do mundo sem cultura.”

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Quer entender sua mente? Assista ao vídeo abaixo e chore (de rir) comigo.