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A cura para o alcoolismo e outras adicções: Método Sinclair e naltrexona funcionam?

A cura para o alcoolismo e outras adicções: Método Sinclair e naltrexona funcionam? 1

Hoje, vamos conhecer o chamado Método Sinclair para o alcoolismo. Este conteúdo é um tanto quanto diferente, pois pretendo construí-lo de forma que possa ajudar pacientes, familiares e médicos. Afinal, será preciso passar pelo médico para conseguir o medicamento naltrexona. Ou seja, o médico precisará compreender o que está por trás do método.

Este conteúdo é composto por um vídeo meu, onde explico tudo sobre o Método Sinclair e dou minha opinião pessoal sobre minha investigação. Ainda, subi o livro oficial do Método aqui no site. Você terá acesso à obra gratuitamente (em inglês) ao final do texto.

Peço que você compartilhe este conteúdo com quem que já têm questões com o álcool ou com outras drogas e comportamentos adictos que mencionarei aqui – independentemente do grau de seriedade.

Quero propor uma possibilidade para estas pessoas. Uma ferramenta que pode ajudar – ou até definir – o futuro de indivíduos e famílias.

Se você não é meu leitor, sem problemas. Vou me apresentar para você: familiar, paciente ou médico. Meu nome é Juliana Szabluk. Sou terapeuta e trabalho com práticas integrativas voltadas a questões de saúde e alimentação. A maioria dos meus clientes possui uma tendência à compulsão e me busca na expectativa de que a Dieta Cetogênica, uma das ferramentas que utilizo, possa ajudá-los neste caminho.

Minha trajetória pessoal é de superação de incontáveis adicções – alcoolismo dentro. Não utilizei o método Sinclair para nenhuma delas.

Contudo, sabendo do esforço descomunal e do sofrimento gigantesco que um adicto precisa passar para “superar” uma adicção, proponho que sejamos mais facilitadores do que julgadores.

Para isso, precisamos levar a sério o conceito de que vícios são questões da ordem biopsicossocial.

Bio. Psico. Social.

Temos três frentes para atuar. Quatro, diria, porque o primeiro passo é exterminar o preconceito gerado por pessoas que não eram de fato adictas e que conseguiram superar seus abusos pontuais sem ajuda de nada ou de ninguém (o popular cold trukey, ou “parar tudo de uma única vez”).

É imprescindível que repensemos o que é de fato uma adicção e que interrompamos a utilização de termos médicos para abordar comportamentos simplesmente indesejados.

Se você mergulhar nas pesquisas sobre o Método Sinclair, como eu, verá que há uma tendência em focar apenas na primeira frente, a química (bio). Dr. Sinclair é um seguidor dos estudos de Pavlov e, portanto, é compreensível que ele haja desta maneira.

A adicção seria apenas uma questão química. Tomar um remédio capaz de extinguir os caminhos neuroquímicos da adicção seria a cura definitiva para o vício.

Contudo, ouvindo depoimentos de médicos, terapeutas e de quem foi bem-sucedido ou falhou no Método, vamos encontrando a verdade da fala: as três frentes são inescapáveis.

Quem é Dr. Sinclair e o que é o Método?

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Dr. Sinclair é um médico norte-americano que começou a estudar o comportamento do álcool no cérebro nos anos 1960, nos EUA. Ele se mudou para a Finlândia para pesquisar ratos geneticamente predispostos ao alcoolismo. Foi lá que ele concluiu que o alcoolismo é um mecanismo de aprendizado neuroquímico e que desenvolveu seu método de extinção farmacológica.

O Método Sinclair é um tratamento para adicção ao álcool que usa a chamada “extinção farmacológica”, o mesmo pressuposto utilizado em tratamentos para nicotina com Champix, por exemplo.

Com base na Teoria da Aprendizagem (Learning Theory), o Método parte do conceito de que as adicções são aprendidas pelo cérebro por meio do reforço de caminhos neuroquímicos através do tempo. A cada dose, o cérebro aprende a precisar do álcool (ou de qualquer outra substância).

Pacientes que já possuem histórico familiar de adicções, é claro, são os mais afetados por este reforço do aprendizado através do tempo.

Sinclair para compulsão alimentar e outras adicções

O Método se mostra promissor para outras adicções, que envolvem o consumo de substâncias químicas ou não, mas que estão ligados ao sistema opióide: cocaína, anfetamina, opiáceos, transtornos alimentares (compulsão e bulimia), automutilação, cleptomania, jogos, esportes, compulsão sexual etc podem se beneficiar, pois seguem caminhos similares no cérebro.

O livro A cura para o alcoolismo falará sobre cada um deles nos últimos capítulos. Você pode fazer o download do livro (em inglês) no final deste conteúdo.

Infelizmente, isso não ocorre com a nicotina, por exemplo, que utiliza incontáveis caminhos neuroquímicos simultâneos para sequestrar o cérebro de forma mais complexa. Em um futuro, veremos aqui no site o que podemos fazer neste caso.

A lógica por trás do Método Sinclair

  1. O álcool libera endorfinas que se ligam a receptores opioides no cérebro. São os mesmos receptores ligados ao uso da morfina, cocaína, heroína ou anfetamina, além dos comportamentos que citei acima.
  2. 1h antes de beber, o paciente tomará o antagonista opióide Cloridrato de Naltrexona (nome comercial Revia, no Brasil) ou Nalmefene (Selincro, na Europa) para bloquear os receptores que reforçam estes caminhos do aprendizado da adicção no cérebro.
  3. Ao beber sob efeito do antagonista, as endorfinas serão liberadas, mas não conseguirão se ligar aos receptores, que estarão bloqueados pelo medicamento.
  4. O sistema nervoso reagirá enfraquecendo as conexões neurais que geram a necessidade da droga.

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Sessões de extinção

No método, beber sob efeito do antagonista (naltrexona) é chamado de “sessão de extinção”. Estas sessões vão gradativamente apagando a relação química com o álcool. O resultado almejado é levar o paciente de volta ao estado original, em que a resposta cerebral era a mesma dos indivíduos sem adicção.

O tempo para a extinção total é variável e pode ir de três a cinco meses.

ATENÇÃO: mesmo após este período, o paciente deverá tomar a naltrexona sempre que for beber. Isso é uma regra de ouro pelo resto da vida. 

Conclusão: Dr. Sinclair propõe que seja trilhado o caminho oposto do aprendizado da adicção. Seria uma “desaprendizagem” por vias neuroquímicas.

Novamente, a extinção farmacológica tem se mostrado um caminho promissor nos mais diversos tratamentos de adicção atuais – quando falamos sobre a parte química.

Como funcionam as sessões de extinção?

O Método Sinclair exige que a naltrexona seja utilizada sem a abstinência. Este é o diferencial e também a polêmica do método.

Estudos apontam que a eficácia da naltrexona em abstinência é baixa. Porém, quando utilizada juntamente com o agente da adicção, o cérebro consegue extinguir os caminhos da adicção com mais elevadas taxas de eficiência.

Repito: a sessão de extinção significa tomar o medicamento 1h antes de beber ou de consumir a substância. Não menos do que isso. Este procedimento deve ser seguido como uma lei para sempre. Para o resto da vida.

A naltrexona quebra o ciclo químico de aprendizagem do cérebro. A cada sessão, a recompensa é reduzida ao ponto em que o paciente perde o interesse incontrolável pela bebida, pela droga ou pelo comportamento adictivo.

Caso o paciente não tome o medicamento ao beber, o aprendizado será reforçado e o procedimento deverá ser reiniciado.

Como conseguir a naltrexona e quanto tomar?

No Brasil, o Cloridrato de Naltrexona é vendido com prescrição médica. Ele é vendido sob diferentes nomes comerciais com variados preços.

O medicamento já é reconhecido como um agente relevante no tratamento do alcoolismo.

A polêmica vem em seu uso dentro do Método Sinclair, ou seja, utilizá-lo enquanto bebe. É algo a ser bastante considerado quando você foi discutir seu plano com o médico.

A dose padrão da naltrexona para o alcoolismo é de 50mg, um comprimido. Mas, o livro salienta que há casos em que o paciente precisa elevar a dose para 75mg.

Naltrexona e dopamina

Apesar do Método Sinclair focar na explicação da endorfina, é interessante explicar brevemente como a naltrexona atua no corpo. A naltrexona é um antagonista opioide com a maior afinidade para o receptor opioide μ (mu ou mi).

A ocupação dos receptores mu pela naltrexona pode bloquear os efeitos de peptídeos opioides exógenos. A medicação atenua significativamente ou bloqueia totalmente, de forma reversível, os efeitos dos opioides exógenos (no caso, o álcool, mas pode ser ter ação sobre outras substâncias).

Mesmo que os mecanismos de ação da dependência ao álcool não sejam completamente entendidos pela ciência, parece que o bloqueio destes receptores previnem a liberação aumentada de dopamina no cérebro, responsável pelo reforço dos efeitos do álcool.

Se você sofre com alguma adicção química ou compulsão alimentar, não deixe de assistir ao meu vídeo sobre o papel da dopamina na sua vida.

Reeducação cerebral com o Método Sinclair

1 – Nos dias em que tomar o remédio e beber, o paciente deve evitar ao máximo atividades que atuem sobre as endorfinas (comer alimentos que gerem prazer, passar tempo qualitativo com os filhos, exercícios físicos etc). É possível que o cérebro atue sobre estas atividades também, extinguindo o prazer em tarefas importantes para a vida.

2 – O paciente não tomará o remédio nos dias em que não beber. O remédio deve ser tomado apenas quando a pessoa for beber, no mínimo 1h antes.

3 – Com o passar do tempo, o método prevê dias sem álcool. Não existe um momento para introduzir a prática, ela deve vir naturalmente. Nestes dias sem álcool, o paciente deverá executar atividades que liberem endorfinas. É crucial que endorfinas se liguem aos receptores com tarefas que não gerem adicção. É uma espécie de reeducação cerebral.

4 – O Método é contraditório com relação a práticas alternativas para a adicção. Enquanto os proponentes do Método insistem que terapias não aumentam a taxa de sucesso, os próprios recomendam o uso do mindufulness (yoga, diário, meditação, práticas de relaxamento e presença) para conseguir lidar com as regras do método.

Afinal, é preciso muita resiliência para sempre andar com o remédio, para sempre tomar o remédio 1h antes de beber, para conseguir aguardar este mínimo de 1h, para se esforçar em reconstruir caminhos não adictos com atividades prazerosas etc.

O mindfulness, explicam eles, pode ser a chave de sucesso aqui. Concordo. Concordo absolutamente.

Taxas de sucesso do Método Sinclair

Segundo os proponentes da extinção farmacológica, as taxas de sucesso do Método Sinclair para o alcoolismo são de 78%. Para outras substâncias e comportamentos mais estudos são necessários.

  • Isso significa que 78% das pessoas param de manifestar sintomas relacionados ao alcoolismo.
  • 25% dos pacientes cessam totalmente o uso do álcool.
  • 10% sofrem de efeitos colaterais complicados da Naltrexona (dores abdominais, questões psicológicas de não sentir mais o prazer de sempre ao beber, confusão, febre, alucinação, taquicardia, dor no peito, ganho de peso etc).
  • 20% das pessoas não veem eficácia no Método.

Segundo o próprio Sinclair, estes 20% aprenderam o alcoolismo através de outros caminhos que não apenas o sistema opioide.

A estas pessoas, os médicos que aplicam o tratamento sugerem o que eu concluo também, uma união de todos os programas: mindfulness, grupos de apoio, psicólogos, familiares, alimentação adequada, exercícios físicos, alcoólicos anônimos.

Conclusão: o Método funciona?

Proponho um questionamento breve: segundo um recente estudo publicado no JAMA, 1 a cada oito adultos tem problemas reais com álcool nos Estados Unidos. Isso significa 12,7% da população daquele país.

  • Temos 12,7% da população alcoólatra.
  • O Método Sinclair não funciona para 20% das pessoas.
  • Pergunta: seria o Método Sinclair capaz de curar apenas quem não é de fato alcoólatra?

Dr. Sinclair justifica que o método não funciona a quem aprendeu diferentes caminhos cerebrais para a adicção, que não apenas o sistema opioide.

Será esta complexidade de caminhos aprendidos justamente o que caracteriza a adicção?

Diante destas décadas convivendo com dezenas de adictos, aprendendo a enxergar a brutal diferença entre um comportamento abusivo e uma adicção química, este questionamento se torna muito relevante.

Não digo isso para desestimular as pessoas. Acredito que o Método deva sim ser tentado caso outras alternativas tenham falhado.

MAS, quero que você mantenha em mente a palavra “complexidade” e que reflita sobre se apenas uma via – seja ela Bio ou Psico ou Social será capaz de te ajudar.

Tenha sabedoria para recorrer a todas as ferramentas possíveis. Tenha resiliência para, principalmente, nunca parar de buscar diferentes caminhos.

Tenha coragem para cruzar a ignorância de quem literalmente ignora o que você está vivendo.

Tenha humildade para compreender que adicções químicas diferem de comportamentos indesejados justamente porque adicções são maiores do que qualquer um é capaz de lidar sozinho.

Tenha conhecimento para aniquilar o autojulgamento. Isso não é uma questão moral ou de força de vontade.

Enquanto os outros dirão que você é fraco por não conseguir vencer o vício, eu te direi que você é forte por ter acordado hoje novamente. Simplesmente acordado, sendo refém de algo que te impede de viver.

Escute o que esta força está te dizendo. Esta força que te mantém vivo é você.

Recursos extras para estudo do Método Sinclair

Livro “A cura para o alcoolismo”

Eu ia colocar o documentário do Método, chamado “One Little Pill” (Uma pequena pílula). Foi através do filme que conheci Sinclair. Contudo, a produtora removeu o conteúdo do YouTube esta semana. Uma lástima sem precedentes. Você pode assistir ao filme clicando aqui e pagando 4 dólares por ele.

Sites de clínicas que trabalham com o Método Sinclair (há estudos e recursos que valem a pena serem lidos):